O discípulo dia a dia toma a sua cruz e segue

Carregar a cruz se tornou sinônimo de problemas e dificuldades na vida. Você escuta uma mãe dizendo que sua cruz é ter que lidar com um filho viciado em drogas, é alguém que chama de cruz sua deficiência física, é outro que reclama do salário ou da moradia e chama isso de cruz; outros brincam com a sogra e a tratam como cruz pesada. Mas, é isso mesmo que Jesus quis dizer quando falou que o discípulo deve carregar a sua cruz? Teria a cruz um sentido tão negativo?

Os romanos inventaram a crucificação como instrumento de execução. A morte de Jesus poderia ter sido mais uma morte de cruz naqueles dias. Ela não foi a primeira nem a única, acontecia cerca de 500 mortes de cruz por dia em Israel. Era comum ver pessoas crucificadas à beira das estradas naquele tempo. Mas, a crucificação Jesus foi única no sentido de ter sido expiatória, redentora, em favor de todas as pessoas em todo o mundo. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Os benefícios da nossa cruz vêm da cruz de Cristo.

Antes de carregar a sua cruz o discípulo deve saber a diferença entre uma pessoa natural, carnal, e espiritual; deve abandonar a religião jogando fora o fermento dos fariseus e dos saduceus; deve saber quem é Jesus e confessá-lo como seu Deus; mas não deve parar na confissão sob o risco de ficar surtado; deve decidir ser discípulo de Jesus seguindo conscientemente os seus passos; e deve negar a si mesmo, caso contrário, nunca carregará a sua cruz porque não entenderá jamais as implicações dela em sua vida.

Jesus dizia a todos: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me”. Ser discípulo de Jesus requer uma decisão, a pessoa precisa quer ser discípulo para segui-lo. Negar a si mesmo e carregar a cruz é uma experiência do dia a dia do discípulo e acontece simultaneamente. À medida que nego ao si mesmo eu tomo a cruz. A separação dos assuntos que tratamos aqui são apenas por uma questão didática, mas na prática tudo acontece ao mesmo tempo num processo permanente de vida com Deus.

Tomar a cruz não é negativo como convencionalmente se tornou. Quando nego ao si mesmo e tomo a minha cruz, o meu eu se encontra purificado em Deus. Tomar a cruz é ter Cristo vivendo em mim: “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”. Quando a crucificação de Jesus em nosso favor se torna uma consciência de fé, o mundo tão cobiçado pelo si mesmo morre para nós e Jesus se torna a nossa glória porque sua cruz é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.

Tomar a nossa cruz é a sentença de morte do si mesmo, é comprometer-se em viver a vida como ela é no chão do Evangelho, e não nas fantasias que o mundo do diabo oferece e que o si mesmo absorve tão bem. Tomar a cruz é ter o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. É morrendo que vivemos para Deus.

Tomar a cruz é morrer dia a dia para o si mesmo e viver para Jesus que morreu e ressuscitou por nós. Quem morre fica livre das vaidades e padrões mundanos e passa a viver como um soldado engajado para a vida plena, cujo objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou. Nem todos que se dizem seguidores de Jesus o são de fato, pois muitos que andam entre nós são inimigos da cruz de Cristo. O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas. Esses podem andar com um crucifixo, mas não tomaram a cruz desconhecendo por isso a senda do Calvário.

As palavras que Jesus proferiu na cruz nos mostram como é a vida de um discípulo que dia a dia toma a sua cruz e segue. Quando ele disse: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”, ele estava dizendo também que essa deve ser a nossa atitude todos os dias de nossa vida. Deus em Cristo perdoou todos os nossos pecados e devemos perdoar sempre os pecados de todos contra nós. Quem não perdoa ainda não entendeu o perdão de Deus em seu favor. Aqui começa a vida livre e abundante do discípulo. É quando ele perdoa a si mesmo e os erros de todos que ele vive como um filho de Deus. O perdão é a marca do cristão.

Um dos ladrões crucificados ao lado de Jesus entendeu sua situação espiritual e pediu: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino”. Jesus lhe respondeu: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. O discípulo aprende que o paraíso é mais que um lugar transcendente, é também um lugar existente aqui para os que andam com Jesus. Acredito que foi isso que o apóstolo Paulo quis dizer ao escrever: “Cristo em vós, a esperança da glória”. Não há discipulado sem esperança da glória. Sem esperança nos tornamos como os saduceus.

As palavras de Jesus na cruz também falam de nossa humanidade, muitas vezes negada ou subestimada por compreensões distorcidas do que seja a vida cristã. Jesus disse: “Tenho sede!”. Se Jesus fosse um “evangélico” ele morreria de sede e não pediria água para não mostrar fraqueza. Mas nossas necessidades não devem ser negadas nem alteradas. Jesus pediu água, mas não aceitou vinho com fel como entorpecente. Jesus também disse: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. O discípulo não entende o aparente desamparo de seu pai celestial, mas continua dizendo: Deus meu, Deus meu. Enquanto ainda na cruz Jesus viu sua mãe e junto a ela o discípulo amado, e disse: “Mulher, eis aí teu filho”. E ao discípulo disse: “Eis aí tua mãe”. Desse modo Jesus estava mostrando que os vínculos familiares são transanguíneos gerando fraternidade por onde quer que passemos.

Jesus disse mais: “Está consumado!” Ou seja, está pago. Não há mais dívida do homem para com Deus. “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. A última palavra dele na cruz foi: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” Entregar o espírito a Deus não é uma decisão apenas para morrer, mas para viver. Todo dia devemos entregar nosso espírito nas mãos de Deus com a certeza de que das mãos do Pai ninguém pode nos arrebatar, porque certamente a bondade e a misericórdia de Deus nos seguem todos os dias.

Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. A sua parte ele faz com perfeição e fica com ele. A minha parte e a sua é dia a dia negar a si mesmo, tomar a nossa cruz e seguir a Jesus. É só assim que nos tornamos discípulos de Jesus e encontramos a verdadeira vida que o Evangelho nos propõe. O discípulo perdoado por Deus perdoa a todos, o paraíso nos aguarda enquanto vivemos aqui na presença de Deus, assumimos nossa humanidade com liberdade e fé, não abandonamos o nosso Deus mesmo quando ele nos desampara, amamos a todos porque amamos a Deus, vivemos a alegria dos perdoados e descansamos nas mãos de Deus. Isso é tomar a cruz e seguir a Jesus.

Antonio Francisco – Cuiabá, 16 de fevereiro de 2014 – Voltar para Como ser discípulo de Jesus.

Comentários