Vingança

A lei mosaica regulamentava as relações sociais e até mesmo as circunstâncias acidentais. Jesus evoca da lei alguns elementos relacionados às atitudes que uma pessoa deliberadamente podia ou devia ter sobre outra. Já consideramos alguns assuntos como o homicídio, o adultério, os juramentos, e agora estamos tratando da vingança, o ponto alto do Sermão do Monte que nos desafia a não resistir ao perverso, pelo contrário, somos chamados a amá-lo com o amor de Cristo.

38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. 39 Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; 40 e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. 41 Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. 42 Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes. (Mateus 5.38-42).

A citação que Jesus fez da lei de “olho por olho, dente por dente”, era uma atribuição dada aos sacerdotes e juízes de Israel que aplicavam o princípio da retribuição justa, do castigo merecido conforme a lex talionis (lei de talião) (Êx 21.24-25; Dt 19.17-18). Desse modo a justiça era feita e a vingança refreada. Em nada disso era permitido justiça com as próprias mãos, mas tão somente mediante a intervenção das autoridades constituídas (Lv 19.18).

Jesus não está falando dos tribunais nem acerca do juízo divino, mas ensinando que o princípio da retribuição judicial não se aplica aos nossos contatos pessoais na forma de vingança. Nossos relacionamentos devem ter como base o amor, não a justiça, porque é assim que aceitamos a injustiça sem revidar. A vingança é sutil e se manifesta na forma de ações, pensamentos negativos, desejos maus, orações pedindo que Deus pese a mão contra quem nos prejudicou, e recorrendo aos tribunais com a desculpa de estar fazendo justiça. Mas nada disso tem proveito para um discípulo de Jesus que é ensinado a não resistir ao perverso.

Verdade seja dita: Quem resiste ao perverso também é perverso e fortalece ao perverso ofensor que se alimenta com a resistência do perverso ofendido. Esses perversos muitas vezes estão dentro da mesma igreja que não consegue ajudar as partes conflitantes (1Co 6.1-8). Não é raro encontrar pessoas resistindo ao perverso em nome de Jesus quando na verdade estão agindo mesmo é em nome do diabo. A vingança não cura nem retribui nada de bom a ninguém, apenas dá satisfação perversa ao vitimado de que o vitimador sofreu algo pior do que o mal causado. Isso não procede de Deus, mas de um coração mau e corrupto e muitas vezes do maligno a quem nunca devemos dar lugar.

A vingança pertence a Deus e somente ele sabe retribuir com justiça. Saber isso nem sempre nos livra do desejo vingativo de ver o perverso sendo castigado por Deus, o que não deixa de ser uma perversidade de nossa parte. Quando entregamos o perverso nas mãos de Deus, devemos desejar o perdão e a bênção de Deus para ele, não o castigo, porque isso seria uma maneira “santa” de resistir ao perverso.

Quando Jesus enviou seus doze discípulos numa missão, ele os enviou como ovelhas para o meio de lobos e não como lobos treinados para enfrentar lobos selvagens. O perverso não só é como um lobo, mas muitas vezes é pior que o diabo, porque o diabo a gente resiste e ele foge, mas o diabo humano que é o perverso se alimenta de nossa resistência. O que desmonta o perverso é a não resistência, é pagar o mal com o bem como diz Romanos 12.20-21: “Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”. Quem resiste ao perverso se iguala aos lobos e perde a identidade de ovelha que por natureza nunca ataca, mas apenas conta com a proteção do pastor.

Não resistir ao perverso não é o mesmo que ter um namorado perverso, um casamento sem amor e reciprocidade, filhos desalmados, patrões tiranos, amigos sanguessugas, um lobo disfarçado de pastor, e aceitar tudo isso como normal. Jesus foi chamado de “homem de dores e que sabe o que é padecer”, mas ele mesmo não gostava de sofrer. Quando quiseram jogá-lo de sobre um monte ele escapou, quando sabia que queriam prendê-lo em algum lugar ele não ia para lá, porque ninguém gosta de sofrer.

Então, o que significa não resistir ao perverso? Jesus usa três ilustrações para dizer que a retaliação não é um princípio cristão. Em cada uma das três situações, Jesus mostra que a vingança deve estar tão ausente de um discípulo seu que ele é capaz de sofrer a injustiça em dobro. Jesus nos deu o exemplo de não resistir ao perverso (1Pe 2.21-23).

TRÊS CATEGORIAS DE PERVERSOS

1. O perverso que fere - (“a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra”). No Oriente ainda hoje é um grave insulto bater na face direita de alguém. Não sei se tem algum lugar no mundo que seja virtude alguém tomar na cara. O perverso que fere se aproxima e bate, agride, sangra, maltrata com atos, palavras, atitudes. O discípulo por outro lado não revida dando um soco de volta no ofensor, pelo contrário, suporta com paciência a agressão porque é manso e humilde de coração.

2. O perverso que demanda - (“ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa”). As leis judaicas permitiam que uma pessoa ficasse com a túnica de alguém como penhor de uma dívida, mas não com a capa. O perverso que demanda não bate e não fere fisicamente; ele prefere fazer o mal à distância, levando sua vítima às barras da justiça para processá-la por alguma dívida. O discípulo de Jesus não somente entrega a túnica como também a capa. Ele não briga pelos seus direitos e prefere sofrer o dano porque confia no seu Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo.

3. O perverso que obriga – (“Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas”). O perverso que obriga é aquele que tem poder sobre alguém e usa desse poder para manipular. O Império Romano podia obrigar qualquer cidadão a fazer uma viagem em nome do governo. Até mesmo um cidadão comum podia recorrer às autoridades pedindo que alguém lhe acompanhasse numa viagem por causa dos perigos nas estradas. O discípulo de Jesus não apenas cumpre ordens, ele extrapola em bondade fazendo além de sua obrigação e do que normalmente se espera dele.

Jesus termina dizendo: “Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes”. Isso parece fora de lugar depois de falar contra vingança. Mas na verdade não poderia ser melhor essa conclusão. Temos que suar bastante no exercício de dar quando tudo estiver normal, para que não tenhamos dificuldade de não revidar, mas, mostrar bondade diante do perverso que bate, demanda e obriga.

Antonio Francisco - Cuiabá, 3 de março de 2013 – Voltar para A vida extraordinária.

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