O discípulo surtado

Qualquer discípulo está sujeito a surtar, a perder a noção da realidade, a se embriagar com as experiências espirituais, positivas ou negativas. É importante considerar isso porque o crente vive de fé em fé, o que significa dizer que cada dia deve ser vivido na dependência do Senhor conferindo sempre coisas espirituais com espirituais, e não como Pedro que surtou depois que Deus revelou para ele que Jesus é “o Cristo, o Filho do Deus vivo”. O que aconteceu com Pedro é uma alerta.

“Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia. E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá. Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens” (Mt 16.21-23).

Jesus perguntou aos seus discípulos: “Quem dizeis que eu sou?”. Eles haviam dito o que o povo dizia ser o Filho do Homem, e agora estavam dizendo o que eles mesmos pensavam de Jesus, mais especificamente Pedro respondeu pelo grupo apostólico: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Jesus afirmou que a resposta de Pedro foi uma revelação de Deus a ele, porque de outro modo certamente ele nunca chegaria àquela conclusão. Isso tornou Pedro especial, melhor que os demais e o representante de Cristo na terra? De modo nenhum. Foi uma revelação graciosa de Deus e não uma descoberta ou resultado de um estudo de Pedro.

Adquirir a consciência de que Jesus é Deus e fazer disso uma confissão de fé na vida é uma bênção ímpar. Jesus disse que Pedro era um homem abençoado por receber tal revelação do Pai que está nos céus. Jesus ainda disse: “sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Ou seja, os que confessam Jesus como o Deus de suas vidas fazem parte da igreja imbatível. Essas pessoas têm as chaves do reino dos céus, para ligarem e desligarem realidades interiores e pessoais, terem influência na terra condizentes com a palavra de Deus, tendo assim a aprovação dos céus. Esse privilégio não foi dado apenas a Pedro mas a todo aquele que confessa e vive para Jesus, o Deus vivo.

Depois da revelação de Deus a Pedro, Jesus faz algumas afirmações e adverte os discípulos de que a ninguém dissessem ser ele o Cristo. Isso parece estranho hoje quando a cristandade enfatiza tanto a importância de proclamar por todo o mundo que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo. Essa advertência de Jesus no mínimo quer mostrar que os discípulos não estavam preparados ainda para as implicações do significado da revelação; eles ainda não tinham a devida consciência daquele momento. É tanto assim que só depois da ressurreição foi que Jesus disse: "Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século".

Gosto de lembrar as palavras: “O saber ensoberbece, mas o amor edifica” (1Co 8.1), pois elas me dizem que o saber nada vale, até que seja traduzido em amor prático, caso contrário, o conhecimento não me faz bem, ainda que seja acerca de Deus. É exatamente por isso que lemos em outro lugar: "a letra mata, mas o espírito vivifica". Mais que isso: as revelações de Deus a nós devem ser assumidas com humildade e devoção, para que não surtemos com o novo de Deus em nós como aconteceu com Pedro. Tudo provém de Deus e jamais devemos esquecer isso sob pena de cairmos na mesma atitude de Pedro que por um momento se sentiu maior que Jesus, a ponto de repreendê-lo como se ele fosse o mediador entre Deus e Jesus.

Quando achamos que podemos falar por Deus e até defender Jesus, estamos correndo sérios riscos espirituais, pois o saber ensoberbece, e isso pode acontecer de repente. Deus deu uma revelação a Pedro e instantes depois ele estava surtado chamando a atenção de Jesus. Não podemos esquecer que tudo vem de Deus e que a ele devemos tudo que somos, sabemos e temos, como disse Paulo, o apóstolo: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção, para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1Co 1.30-31). Não existe em nós nenhum mérito que nos torne dignos do que Deus tem nos dado. Tudo é resultado de sua bondade graciosa em nosso favor, como disse Jesus: "Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar".

Quando Jesus é revelado ao nosso coração como o Cristo, o Filho do Deus vivo; isso é apenas o início da vida com Deus; se alguém surta aqui, complica tudo. Precisamos crescer, amadurecer, desenvolver a nossa salvação com temor e tremor com santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor. Talvez por isso mesmo é que Paulo escreveu que expunha sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada; mas a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glória; sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória; mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam.

Vivemos um tempo de pessoas surtadas dentro das igrejas em todos os lugares. Homens e mulheres cheios de “autoridade” em nome de Deus vivem amedrontando incautos em nome de Jesus. Essas pessoas dizem que são capazes de abençoar e de amaldiçoar; ir contra elas é um risco, pois falam em nome de Deus e dizem ter recebido dele poder e determinação para fazerem o que fazem e dizerem o que dizem. Igrejas inteiras estão nas mãos dessas pessoas. Como dizia Paulo: “É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tt 1.11). Ninguém deve ficar refém dessas pessoas que esbravejam nos púlpitos, impostam suas vozes e fazem afirmações em nome de Deus como se fossem o próprio Deus. Em Cristo estamos livres de todas as cadeias, inclusive as eclesiásticas, que são as mais sutis e mortíferas.

O discípulo de Jesus anda firme na verdade conforme o Evangelho, sem surtar. Ele sabe que felizes são os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus; os que choram, porque serão consolados; os mansos, porque herdarão a terra; os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos; os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia; os limpos de coração, porque verão a Deus; os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus; os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; os injuriados por causa do reino de Deus; e os perseguidos e caluniados que seguem Jesus. Diante disso devemos nos regozijar e exultar, porque é grande o nosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de nós. Somos o que somos porque Deus se revelou a nós.

Antonio Francisco - Cuiabá, 21 setembro de 2012 - Voltar para Como ser discípulo de Jesus.

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