O evangelho que eu não conhecia

Conheci o evangelho há trinta e três anos e a mudança foi notória. Por três décadas vivi para a igreja, lendo e ensinando as Escrituras. Nos primeiros meses já pregava o evangelho em presídios, praças, sítios, e cultos da igreja. Quatro anos depois fui para o seminário com minha esposa e me entreguei ao pastorado por vinte e cinco anos, até que conheci o evangelho de um modo como ainda não o conhecia.

Fui o melhor aluno da minha turma em homilética (a arte de preparar e pregar sermões). Bem cedo na fé já substituía meu pastor em suas viagens e logo assumi funções de ensino na Escola Bíblica Dominical, e na liderança entre os jovens. A facilidade de reter o conteúdo bíblico conhecendo a referência dos assuntos sempre me ajudou. Na biblioteca do seminário era conhecido como chave bíblica ambulante. Sempre gostei da leitura sistemática da Bíblia, ou seja, ler na ordem cronológica de Gênesis ao Apocalipse. Parece-me ser a melhor maneira de entender seu conteúdo.

No pastorado, comumente era elogiado pelas pregações e pelo conhecimento bíblico demonstrado. Não perdi as habilidades mencionadas nem o conhecimento adquirido, mas tudo aquilo tomou outro rumo e passou a ter outro sentido para mim. Continuo lendo e ensinando a Bíblia com afinco, mas com outra perspectiva. Antes eu seguia e levava outros a seguirem um programa diário de leitura bíblica, preparava mensagens politicamente corretas com temas e divisões harmônicos. Hoje continuo lendo a Bíblia sistematicamente, mas não me prendo mais a programas de leitura; também não preparo mais mensagens com esboços. Não prego mais sermões, compartilho as Escrituras como quem conversa com as pessoas. Tudo isso melhorou para mim e para quem me ouve.

Porém, o melhor em tudo isso, foi o novo sentido que o evangelho passou a ter em minha vida. Uma dessas mudanças foi perceber que o evangelho é a mensagem de todo o Novo Testamento e não apenas o título dos livros escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João. O Evangelho são as boas novas do amor de Deus aos homens, e isso percorre toda a Bíblia. O profeta Isaías foi um pregador do evangelho (Rm 10.16).

Aprender o evangelho não apenas com os ensinos de Jesus, mas também com o seu modo de vida tem sido algo novo para mim. Como ele, tenho experimentado que o evangelho é vivido e ensinado na caminhada da vida. “E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades” (Mt 9.35). O evangelho é compartilhado na caminhada da vida, como ele disse: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15).

A Bíblia é o Livro, o texto são as Escrituras Sagradas, mas a Palavra é Jesus. Ele é o Verbo de Deus (Ap 19.13). Não discernir isso, é não conhecer o Evangelho, porque, “a letra mata, mas o espírito vivifica” (2Co 3.6). Jesus mesmo disse: “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida” (Jo 6.63). Devemos ler as Escrituras, mas não devemos ficar nisso, porque “o saber ensoberbece, mas o amor edifica” (1Co 8.1). Sem a prática do amor, nem a leitura da Bíblia tem proveito para nós. Os religiosos examinavam as escrituras, mas não quiseram ir a Jesus para terem vida (Jo 5.39-40). Assim acontece com todos os que conhecem o conteúdo da Bíblia sem praticá-lo, enganam-se a si mesmos (Tg 1.22). Jesus é maior que a Bíblia.

Toda a Escritura é inspirada por Deus, mas, “a Lei e os Profetas vigoraram até João; desde esse tempo, vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus” (Lc 16.16). O Evangelho está na Bíblia toda, mas a Bíblia toda não é o Evangelho. A Lei e os Profetas não vigoram mais, exceto naquilo que Jesus afirmou, ensinou e conservou. Assim é o evangelho da graça de Deus, pelo qual devemos viver (At 20.24), assim como Paulo que foi “separado para o evangelho de Deus” (Rm 1.1). Quando o Evangelho é encarnado em nós, não nos envergonhamos dele, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16). O evangelho só faz a diferença em nós quando é vivido.

Tudo o que Deus tem para nós, se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: “O justo viverá por fé” (Rm 1.17). Vivendo assim, o evangelho é personalizado em nós, ao ponto de podermos chamá-lo de “meu e nosso evangelho” (Rm 16.25; 2Co 4.3). É isso o que importa: “pregar o evangelho; não com sabedoria de palavra, para que se não anule a cruz de Cristo” (1Co 1.17). Então, devo fazer tudo por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele (1Co 9.23).

O engano está no ar, pois há um outro evangelho que prega um outro Jesus e um espírito diferente que tem sido aceito no meio evangélico, os quais nunca deveriam ter sido abraçados nem tolerados (2Co 11.4), mas é o que tem acontecido. Essa adesão é lamentável, ainda mais porque tão depressa isso tem acontecido; muitos têm deixado o evangelho da graça de Cristo por outro evangelho, o qual não é outro, senão que alguns perturbadores têm pervertido o evangelho de Cristo, merecendo com isso a punição de Deus (Gl 1.6-8). O verdadeiro evangelho não procede de homens, mas, de Deus (Gl 1.11). É por esse evangelho que devemos viver (Fp 1.27), o evangelho eterno (Ap 14.6).

Antonio Francisco - Cuiabá, 4 de outubro de 2011 – Voltar para Um novo caminho.

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