Descomplique sua fé

“Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus [...]” (Hb 12.1-2). Hebreus 11 é dedicado à fé. Ele define a fé como a certeza de coisas que se esperam.

Fé não é apenas uma certeza, mas uma convicção, algo impregnado na alma. Acredito que uma pessoa pode discutir e correr grandes riscos por suas certezas, mas ela é capaz de morrer por suas convicções. Isso é fé. Imagine uma criança que ouve seu pai prometer levá-la ao parque da cidade. Depois disso a criança tem o passeio como uma certeza absoluta. Nada a distrai da certeza de que o passeio acontecerá de fato, pois ela tem plena certeza e convicção de que a promessa do pai se concretizará, e isso a deixa muito contente com a espera.

Quase que a totalidade do capítulo onze de Hebreus trata da fé exemplificada na vivência de pessoas e não como um tratado teológico. É nesse contexto que lemos: “De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hb 11.6). A fé deve ser prática e a prática deve ser com fé, caso contrário, não se agrada a Deus. Como disse Tiago: “... mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé” (Tg 2.18). Mas, acredito que a essência desse versículo é: “sem fé é impossível agradar a Deus”. A única coisa que agrada a Deus em nós é a fé. Aqui está o segredo da vida cristã – viver pela fé. Não estou falando da fé triunfalista tão propalada em nossos dias; não me refiro à fé que só acredita em seus próprios interesses, como bem disse Larry Crabb no livro “Chega de regras”: “Insistimos em reter algum controle sobre os resultados de nossos atos. Dizemos: — Confio no Senhor — quando na verdade queremos dizer: — Confio nele para honrar meus esforços de viver bem, concedendo-me as bênçãos que desejo”. Não é desse tipo de fé que trato aqui, da fé na fé, mas da fé singela e descomplicada, na pessoa do Senhor Jesus.

Voltando ao texto inicial, notamos que a conjunção “portanto”, liga o capítulo onze ao capítulo doze de Hebreus. Os heróis da fé do capítulo onze são apresentados como exemplo inspirador para nós que ainda estamos na corrida da vida cristã. Eles venceram com honra ao mérito e nos encorajam a vencer também. Eles são imaginados como torcedores nas arquibancadas de um ginásio de corrida.

O que fazer para desempenhar uma corrida vencedora? Como atletas numa pista de corrida, devemos nos livrar de todo embaraço ao bom desempenho da corrida. O autor sagrado diz que devemos nos livrar de todo peso. O que seriam esses pesos? O livro de Hebreus fala de medo, de amargura, prazeres carnais, além de tantas coisas mencionadas no Novo Testamento como impedimentos em nosso crescimento espiritual. Infelizmente as igrejas estão cheias de pesos, ou melhor, os crentes estão encurvados com pesos religiosos que em nada contribuem na caminhada com Jesus.

Além disso, o texto diz que devemos nos desembaraçar do pecado que nos persegue pegajosamente. Pecado aqui se refere à nossa natureza pecaminosa e não a um ato específico de pecado. A luta contra nossa natureza pecaminosa é uma constante. Olhar para Jesus com fé do começo ao final da corrida perseverantemente é tudo o que precisamos para correr bem nossa corrida de fé.

Portanto, tenhamos cuidado com os pesos desnecessários e a natureza pecaminosa assediante. Assim fazendo, podemos ter uma vida cristã leve e santa. Isso é possível e foi com esse propósito que Jesus veio ao mundo, para nos dar uma vida abundante (Jo 10.10). Precisamos romper com tudo o que tem sido passado a nós sem fazer sentido com o espírito do Evangelho nem com uma vida cristã livre e saudável.

O capítulo dois da carta de Paulo aos Colossenses nos mostra com clareza a futilidade da religiosidade dentro da igreja. Ele diz: “Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados, e edificados, e confirmados na fé, tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graças” (Cl 2.6-7). A pergunta é: Como recebemos a Cristo? A resposta é: pela fé. O problema da igreja evangélica hoje é dizer que a vida com Jesus é pela fé, mas depois as pessoas percebem que a vivência da nova vida depende das obras. A corrida cristã é movida pela fé em Jesus e não nos méritos do corredor. Isso faz toda a diferença no que acontece hoje no meio evangélico.

Enquanto a pessoa não aprende que “andamos por fé e não pelo que vemos” (2Co 5.7), ela vive uma religiosidade atormentada como viveu Martinho Lutero antes de ouvir, entender e viver o sentido de Romanos 1.17; e de John Wesley que mesmo sendo teólogo e missionário transcultural, só veio a conhecer a paz do céu no coração, quando assumiu que o justo vive pela fé.

O capítulo dois de Colossenses mostra que quanto menos estrutura interior uma pessoa de igreja tem, mais ela depende dos amuletos religiosos externos. Devemos ter cuidado com as sutilezas e as tradições dos homens, porque em Jesus nós temos tudo de Deus para nós. O ensino sagrado é que não deixemos que ninguém nos julgue por causa de comida, bebida e dias sagrados. Devemos ficar alertas para não sermos contaminados com o vírus da falsa humildade, contatos com anjos e visões. Esses estereótipos enganam, pois dão a sensação de espiritualidade, mas nada de consistente oferecem. Ainda somos orientados pelo texto bíblico a fugirmos das ordenanças igrejeiras que ensinam a não manusearmos isto, não provarmos aquilo, nem tocarmos aquiloutro. Tudo isso é doutrina de homens, passa com o tempo, tem aparência de piedade, porém, não passa disso, é uma falsa espiritualidade que em nada ajudam na vitória sobre o mal.

Romanos 14 nos ensina o estilo de vida que devemos viver. As igrejas desconhecem esse estilo, daí a importância de ler esse capítulo com atenção. Ali lemos que devemos aceitar as pessoas, respeitando o nível espiritual de cada um, que a liberdade cristã varia de pessoa para pessoa, que não devemos desprezar ou julgar uns aos outros, porque Deus aceita nossas diferenças; não somos senhores de ninguém. Devemos ter opinião bem definida sobre o modo como vivemos; isso varia de pessoa para pessoa, mas isso não é problema, pelo contrário, conviver assim com respeito é um sinal que estamos assimilando o evangelho de Jesus. Devemos cuidar sempre para não julgar ninguém, “pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus” (v. 10).

O texto em voga diz: “cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus” (v. 12). Você acha que existe espaço nas igrejas para isso? Claro que não. O verso diz que cada um de nós é livre, que um dia daremos contas a Deus. Mas não é isso que observo no meio evangélico. O que vejo são pessoas sendo coagidas e manipuladas e tendo que prestar contas para pessoas que não merecem o sigilo de quem lhes confidencia o que falam. O papel da igreja é mostrar o caminho conforme a palavra Deus, mas as pessoas devem ser deixadas livres no modo de agir, pois cada um tem seu modo diferente de captar o que recebe. Alguns reagem imediatamente, outros demoram um pouco, e ainda outros nunca mudarão, mesmo ouvindo as mesmas coisas por toda a vida. Que nos importa! “Cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus”.

Não devemos julgar ninguém, mas também devemos evitar escândalos. Na verdade, todas as coisas são puras, mas nem todos as consideram desse modo. Esses devem ser amados e tratados conforme o nível de entendimento que têm. A suma dessa maravilhosa passagem bíblica, é que devemos aprender a viver com convicção sem nos condenarmos naquilo que fazemos, pois o pecado consiste exatamente em fazer o que não temos certeza do que fazemos conforme a vontade de Deus e a nossa consciência, e não conforme a vontade e a consciência de outros.

Ao longo do tempo temos complicado a fé em Jesus. Aqui vale lembrar a oração da serenidade feita por Reinhold Niebuhr:

“Deus, concede-me a serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar, a coragem para mudar o que me for possível e a sabedoria para saber discernir entre as duas. Vivendo um dia de cada vez, apreciando um momento de cada vez, recebendo as dificuldades como um caminho para a paz, aceitando este mundo cheio de pecados como ele é, assim como fez Jesus, e não como gostaria que ele fosse; confiando que o Senhor fará tudo dar certo se eu me entregar à sua vontade; pois assim poderei ser razoavelmente feliz nesta vida e supremamente feliz ao seu lado na outra. Amém”.

Antonio Francisco - Cuiabá, 26 de outubro de 2010 - Voltar para Um novo caminho.

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